quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Por onde passar?


As cidades existem para as pessoas; certo? Errado. As cidades existem para os automóveis.
Ser um cadeirante em uma cidade, qualquer que ela seja, nos faz enxergar esta dura verdade. Muitos motoristas deixam de ser pessoas quando passam para trás do volante; tornando-se mais próximos das máquinas. Estes seres, que muitas vezes parecem destituídos de sentimentos, acreditam-se os donos das próprias leis da física. Eles abominam qualquer agente que julguem invasores de seu santificado espaço, mais conhecido como asfalto. Por isto, abominam os pedestres, abominam os ciclistas e, sim, abominam os cadeirantes.

O problema é que as cidades possuem toda uma estrutura para aparar os automóveis, mas, muitas vezes, marginalizam qualquer outros meios de transporte. Faltam passarelas para os pedestres, ciclovias para os ciclistas e calçadas decentes para os cadeirantes.

É possível observar este tipo de descaso, sobretudo, nas cidades de interior, como é o caso da cidade na qual resido: Campos do Jordão, onde não existem semáforos.

Onde não existe um bendito semáforo sequer, o trânsito seguro de pedestres fica na dependência das já famigeradas faixas de pedestres. Os problemas começam quando existe uma escassez de faixas; as que existem estão mal localizadas e, o pior, os motoristas podem, ou não, respeitá-las ao se bel-prazer.

Muitas vezes é possível presenciar motoristas se exasperando com pedestres atravessando fora da faixa. Porém, para atravessar em uma faixa, muitas vezes as pessoas precisam andar metros e metros. Ora, se eu preciso atravessar a rua, só para ir até uma padaria, por que eu preciso andar quinhentos metros, só para voltar praticamente ao mesmo lugar no qual eu estava? Pô, era só atravessar a rua. Tudo bem, é questão de segurança, mas que é ridículo, é. E ai de você se um motorista te vê atravessando fora da faixa. Sua família é xingada até a quarta geração, no mínimo.

Em Campos do Jordão existe ciclovia, mas não em todos os trechos. E onde há, ainda existe uma disputa de espaço com os pedestres, principalmente turistas que caminham despreocupados por estas ciclovias. Se por um acaso um ciclista comete o pecado de andar no asfalto, tome buzinada também.

Mas a coisa piora quando você é cadeirante. Aqui entramos em terreno já conhecido por todos aqueles que precisam transitar com suas cadeiras por uma cidade minimamente urbanizada. Poucas linhas de Ônibus com elevador de acesso (em Campos do Jordão ainda existem estes ônibus, mas não quero nem pensar como é onde não existem). As calçadas da cidade são ridículas: algumas muito estreitas; outras cheias de buracos; umas cheias de entulho depositado, quando não pelos moradores, pela própria prefeitura; outras ainda destruídas por raízes de árvores (nada contra as árvores, sou até a favor da arborização, mas isto não quer dizer que eu consiga passar com minha cadeira de rodas por entre as raízes). Outro problema enervante: as guias rebaixadas, que serviriam para dar acesso às calçadas, foram feitas em ângulos absurdos, de modo que, certa vez eu até fiquei preso entre o asfalto e a calçada, não conseguindo nem subir para a calçada e nem voltar para a rua. Na minha cidade, nem sempre onde tem uma guia rebaixada tem uma faixa de pedestres; assim para passar ao outro lado da rua, lá vou eu atravessando pelo asfalto limpo também.

A solução que eu, cadeirante, encontrei para muitas situações, foi justamente transitar indiscriminadamente pela lateral do asfalto, com os carros passando livres e leves ao meu lado. Muitas vezes ouví criticas dos motoristas que passavam por mim; outros motoristas também se colocaram no meu lugar e, até se propuseram a me ajudar (como no caso em que fiquei preso entre a rampa e o asfalto, foi um motorista que parou o carro e me ajudou a sair daquela situação). O problema é que poucos são os que se colocam no lugar de quem transita pela cidade em uma cadeira de rodas.

Infelizmente, enquanto as cidades não forem pensadas para todos, não só para os motoristas, estes tristes exemplos de descaso continuarão. Se você é um cidadão, nunca se esqueça de se colocar no lugar de qualquer pessoa que seja, mesmo no dos motoristas que, por incrível que pareça, não querem te matar, apenas não querem que você se lance de forma inconsequente no espaço deles. Se você é um motorista, não se esqueça de dividir a cidade com os outros, você está seguro dentro de quase duas toneladas de metal; já os pedestres, ciclistas e cadeirantes não. Se você é uma autoridade, comece a pensar nas cidades como um local basicamente habitado por seres humanos de carne e ossos e não por máquinas sem sentimentos.

Basicamente, é isto.

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